Tão bonita, a idéia da democracia! Melhor não há. Os cidadãos, educados, conscientes das suas necessidades, no exercício da sua liberdade, sem compulsões, sem enganos, escolhem por meio do voto aqueles que serão os seus representantes. Na cidade, os vereadores, no estado, os deputados estaduais, no país, os deputados federais e os senadores. Nada mais transparente. Nada mais honesto.
E os representantes do povo, dominados por um único ideal: trabalhar para o bem comum. No ato de se aceitarem como representantes do povo eles deixam de lado a sua vontade, os seus interesses privados, particulares. Tornaram-se depositários da vontade do povo. Quando pensam e agem não pensam e agem de acordo com os seus interesses. Apenas uma pergunta informa o seu pensar e o seu agir: “É do interesse do povo?”
É assim que eu quero. É assim que todo mundo quer. Como é linda a democracia quando escrita no papel! O problema é que o que está escrito não é aquilo que é vivido. O poder corrompe os ideais.
Mas há uns tipos geniais que são capazes de ensinar a política não como malandragem, não como ciência, mas como literatura. É o caso de George Orwell. Um dos seus livros é o 1984. Quando ele o escreveu o ano de 1984 estava tão longe! Orwell percebeu como ninguém que o poder é um jogo no qual a peça mais poderosa é a linguagem. É através da linguagem que o poder domina as pessoas por dentro. A paixão por um partido é um caso de perturbação psicótica da linguagem. O apaixonado alucina: toma a linguagem por realidade. O que se ama é aquilo que a linguagem marcou dentro de mim. Não se vota num candidato. Vota-se naquilo que se diz sobre ele. As CPIs são todas arenas onde se travam batalhas da linguagem. É a linguagem que dá credibilidade ao poder. Mas Orwell escreveu também um livrinho bem pequeno, uma fábula que até as crianças entendem, Animal Farm ( em português A revolução dos bichos ) que é uma delícia de clareza, sutileza, humor e terror... É a estória dos bichos de uma fazenda, cavalos, porcos, vacas, cabritos, patos, gansos, cachorros...Cansaram-se de ser explorados pelo fazendeiro e resolveram fazer uma revolução. Juntos, unidos, expulsaram o fazendeiro aos coices e dentadas. Estava terminada a primeira fase da revolução. Segunda fase: Era preciso que as leis fossem claras e transparentes e que expressassem a vontade de todos os animais. Para o conhecimento de todos elas foram pintadas em letras enormes na parede de um paiol. A primeira lei era: “Todos os bichos são iguais”. Terceira fase: Quem serão os líderes? Terão de ser escolhidos democraticamente. E assim foi ( não vou contar quais foram os bichos escolhidos para líderes...) . Entretanto, depois que os líderes se assentaram no poder, coisas estranhas começaram a acontecr. Por exemplo: num belo dia, ao acordar, os animais viram que a primeira lei havia sido modificada. Estava lá escrito na parede do paiol: “ Todos os bichos são iguais. Mas alguns bichos são mais iguais que os outros...” Não vou contar o fim da parábola. O que importa é que Orwell percebeu a armadilha do poder: depois que se dá a um grupo o poder para determinar as leis, não há formas de impedir que ele estabeleça as leis que lhe são convenientes. Os que eram antes oprimidos, de posse do poder, se transformam em opressores. Será essa a ironia da história, que cada luta pela liberdade se transforme sempre numa nova forma de opressão? Parece que só pode ser partido ético o partido que não está no poder. O poder cria imperativos de outra ordem.
Crônica completa aqui...
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